PERCEPÇÃO Da variedade Linguística
na
Escola Municipal de Ensino Fundamental
João
Alves Torres
Resumo
Este artigo tem como propósito identificar a percepção
sobre o preconceito linguístico existente na escola Municipal de Ensino
Fundamental João Alves Torres, no município de Araruna-PB, como também observar
e destacar os principais aspectos motivadores deste preconceito, tendo como
objeto de análise a percepção dos alunos da turma do 6º F do turno tarde. Por
ser uma pesquisa de campo, foram utilizados questionários, os quais permitiram
identificar, principalmente, a percepção dos entrevistados quanto à variação
linguística existente na escola, sobretudo entre alunos da zona urbana e da
zona rural. Com base nas ideias de Bagno (1999), foram observados diversos
aspectos quanto ao uso da língua nas interações orais, além de identificar as
diferenças linguísticas entre os alunos, outros autores, como Tarallo (1986),
também contribuíram com suas teorias quanto às diversas formas do uso da língua
e as diferenças entre língua padrão e não padrão. Tendo os autores já citados e
outros Possenti
(1997), Bortoni-Ricardo (2005), Labov (2008), Câmara Jr (1981), Santos (2004), Lyons
(1979), Soares (1983),
Mollica (2004), Neves & Damiani (2006) como base da investigação, foi
possível entender os principais motivos que geram o preconceito linguístico na
escola João Alves Torres: as diferenças socioeconômicas e as diferenças
geográficas. Concluiu-se, portanto, que, embora sejam geograficamente próximas,
as regiões urbanas e rurais em que os alunos estão inseridos detém muitas
diferenças socioeconômicas, as quais acabam refletindo nas enormes diferenças
linguísticas, geradoras do preconceito.
Palavras-chave: percepção, preconceito, variação
linguística.
Preconceito linguístico
Além da extensão
geográfica, o Brasil possui grandes desigualdades sociais. Tais fatores provocam mudanças na língua, as quais têm gerado
preconceitos quanto à forma de falar de cada indivíduo.
É sabido por todos brasileiros que nosso idioma é
o português, mas também se tem um grande questionamento quanto à originalidade
deste argumento, pois na realidade, não se sabe ao certo, se o correto é o
português trazido de Portugal ou o que se utiliza atualmente no Brasil.
Segundo Bagno (2007), o português falado no
Brasil apresenta um alto grau de diversidade, que não leva só em consideração
os aspectos geográficos, mas também a injustiça social que faz do Brasil a
segunda pior distribuição de renda do mundo. Tendo em vista estas diferenças, o
autor ainda ressalta que o Brasil fica dividido em duas partes quanto ao uso da
língua: uma dos falantes da língua padrão e outra dos falantes da língua não
padrão. Surge, assim, o preconceito linguístico, ou seja, por existirem termos
utilizados pelos falantes da língua não padrão que não são aceitos pelos
falantes da língua padrão e vice e versa, começa a haver uma discriminação pelo
diferente.
Tendo em vista o uso padronizado e voltado para
os falantes que tem uma aquisição financeira melhor, além de outros aspectos
relevantes, a língua padrão utiliza termos muitas vezes incompreensíveis pelos
falantes da língua não padrão. Como afirma Bagno (1999, p. 20):
O que muitos estudos
empreendidos por diversos pesquisadores têm mostrado é que os falantes das
variedades linguísticas desprestigiadas têm sérias dificuldades em compreender
as mensagens enviadas para eles pelo poder público, que se serve exclusivamente
da língua padrão.
São comuns os casos em que um falante, ao
utilizar sua linguagem do dia a dia, é taxado como não conhecedor da língua, tornando-se
vítima de diversos tipos de preconceito. Segundo Bagno (2002), o falante da
língua considerada não padrão não têm sua linguagem reconhecida como válida, a
mesma é desprestigiada e ridicularizada, além de muitas vezes ser alvo de
chacota pelos falantes da língua padrão.
Tal chacota
pode ser classificada como bullying. Segundo
Fante (2005, p. 29), esta prática acontece quando, através de brincadeiras, disfarça-se
o propósito de maltratar e intimidar. Nesse sentido, por fazerem uso de determinadas
formas linguísticas em suas relações interpessoais, alguns alunos acabam
sofrendo não apenas preconceito, mas bullying.
Os
preconceitos linguísticos, dessa forma, podem ser identificados em muitos
lugares e, até mesmo, nas escolas. A falta de adequação da escola quanto às
mudanças que a língua sofre com o decorrer do tempo e à diversidade cultural do
povo brasileiro talvez seja um dos fatores primordiais para a existência desses
preconceitos, mas, sobretudo, a não conscientização da comunidade escolar a
respeito do caráter variável da língua.
É notório
que os professores ainda não estão capacitados para trabalharem a influência da
sociedade e da cultura na transformação da língua portuguesa, utilizando-se da
gramática normativa para impor uma forma de utilização da língua oral que não
leva em consideração o conhecimento prévio que o aluno tem desenvolvido em seu
convívio social. Fazendo isso, os educadores não se dão conta que estão
desconsiderando a linguagem como forma de aprendizagem. Segundo Vygotsky (1982 apud
NEVES & DAMIANI, p.6), “o meio social é determinante no desenvolvimento
humano”, ou seja, o ambiente em que o indivíduo está inserido influencia direta
e/ou indiretamente no desenvolvimento e na aprendizagem da linguagem, a qual
ocorre por “imitação”, isto é, consiste em uma reprodução do que se é
vivenciado.
Sendo
assim, Bagno (2002) afirma que o aluno, vindo de uma realidade linguística
totalmente coloquial, influenciada por diversos dialetos, é tratado com
preconceitos e muitas vezes chacotas, pois a escola impõe ao aluno uma
variedade padrão da língua como única, dificultando tanto as relações
interpessoais dentro da escola, como o entendimento e a assimilação dos
conteúdos. Nas palavras do autor:
Esse mito é muito prejudicial à educação porque,
ao não reconhecer a verdadeira diversidade do português falado no Brasil, a
escola tenta impor sua norma linguística como se ela fosse, de fato, a língua comum
a todos os 160 milhões de brasileiros, independentemente de sua idade, de sua
origem geográfica, de sua situação socioeconômica, de seu grau de escolarização
etc. (Bagno, 1999, p.
15)
É muito comum um professor fazer a correção de
uma palavra, pronunciada ou escrita por um aluno, de maneira ignorante e
grosseira, sem levar em consideração os conhecimentos pré-estabelecidos pela
linguagem a que o aluno foi submetido e, consequentemente, influenciado. Assim,
esse ato demonstra que os profissionais de educação ainda não reconhecem as
variedades linguísticas existentes em um país multicultural como o nosso,
fazendo nascer, muitas vezes, um preconceito linguístico desnecessário.
Diversidade linguística na escola
A escola utiliza uma linguagem tradicionalmente
conhecida como língua padrão ou norma culta. Nessa
perspectiva, a escola adota em sua prática uma língua que não varia, ou seja,
que é considerada homogênea. Acontece que o indivíduo pode fazer uso de diversas
regras em suas interações, comprovando que a língua não é homogênea, mas
heterogênea.
As diferenças linguísticas, porém, não podem
ser ignoradas. Os professores e, por meio deles, os alunos têm que estar bem
conscientes de que existem várias maneiras de dizer a mesma coisa. E mais, que
essas formas alternativas servem a propósitos comunicativos distintos e são
recebidas de maneira diferenciada pela sociedade. O mais importante é o aluno
saber quando e como usar a língua, e não ter uma regra estabelecida pela escola
que venha desconsiderar tudo que foi assimilado por ele em sua rede social.
Algumas
formas conferem prestígio ao falante, aumentando-lhe a credibilidade e o poder
de persuasão; outras contribuem para formar uma imagem negativa, diminuindo-lhe
as oportunidades. Há que se ter em conta ainda que as reações dependem das
circunstâncias que cercam a interação.
(Bortoni-Ricardo, 2005, p. 15)
É preciso deixar clara a importância dos
diversos usos da língua, tanto a língua padrão como a língua não padrão, pois
não se pode deixar também de levar em consideração a importância da língua
padrão no convívio em sociedade, tal, segundo Possenti (1997), ato também tem
que ser elevado como preconceituoso.
[...] A tese de que não se deve ensinar ou exigir o domínio do dialeto
padrão dos alunos que conhecem e usam dialetos não padrões baseia-se em parte
no preconceito segundo o qual seria difícil aprender o padrão. Isto é falso,
tanto do ponto de vista da capacidade dos falantes quanto em grau de
complexidade de um dialeto padrão. [...]. (Possenti, 1997, p. 17)
Dentro deste pressuposto, o aluno, ao se
deparar com uma correção quanto a forma de falar em suas interações
interpessoais, passa por diversos conflitos, desde o preconceito a diversas decisões
desastrosas como a desistência. Todas estas situações impostas ocorrem devido à
falta de preparação da escola, pois esta teria que receber o aluno valorizando
e respeitando sua variedade linguística.
Causas do preconceito linguístico
O Brasil, apesar de bem dividido em suas regiões,
possui uma variedade linguística muito ampla, com isso, existe um preconceito
quanto aos diferentes dialetos utilizados nas interações entre as pessoas de
uma mesma região ou de regiões diferentes. Isso também ocorre entre as cidades
ou dentro de uma mesma cidade (PossentI, 1997).
Quanto à divisão de classes sociais, são nelas
também que os indivíduos, ao interagirem em um contato mais próximo, também
expõem suas diferenças linguísticas, influenciadas culturalmente e
financeiramente. Essas também refletem na escola, onde os alunos se dividem em
grupos estabelecidos por diversos padrões, com um grande destaque para os
alunos com uma maior aquisição financeira em que os mesmos são considerados
como um grupo conhecedor da língua padrão.
A imposição das normas consideradas cultas ou
língua padrão só vêm aumentando entre a sociedade brasileira, e nada é feito em
prol da diversidade linguística em seus usos e suas formas. O que se vê são as
redes de televisão, jornais, revistas e os livros didáticos incentivarem, cada
vez mais, o uso da língua considerada padrão, enquanto isto, as variedades
linguísticas, existente em determinadas comunidades que possuem seus dialetos
próprios, são tachadas como incorretas e incoerentes. Segundo Bagno (1999) se um falante do Sudeste
ouve um falante da zona rural nordestina pronunciar a palavra “oito” como
[oytsu] ele acha isso “engraçado”, “ridículo” ou “errado”. Dentro dos estudos
linguísticos, este fenômeno é o mesmo, a palatalização, refere-se ao som que se
pronuncia devida aproximação da língua ao céu da boca, a única diferença entre
estes falantes é que um falante usaria em sua pronuncia o “y” antes do “t” e o
outro usaria depois (PRIBERAM, 2008). Ainda segundo aquele autor, o que está em
jogo não é a língua, mas quem fala essa língua e a região geográfica em que
este falante vive. (BAGNO, 1999)
Bagno
(1999) nomeia os
falantes da língua portuguesa não padrão como “os sem-língua”, pois os mesmos
possuem uma gramática particular que não é reconhecida como válida, além de ser
alvo de chacota por falantes do português padrão. De acordo a lógica usada nas
divisões do português padrão e não padrão existiria brasileiro que não sabe
falar e muito menos interagir através da língua portuguesa, ou seja, temos
vários brasileiros sem língua no país.
Preconceito linguístico na escola
A escola
precisa capacitar seus alunos, para que eles saibam fazer uso da língua materna
em diversas situações na vida e em sociedade, assim o aluno conheceria a
diversidade linguística existente em sua língua, além de saber adaptá-la a
situação em que o indivíduo esteja exposto em um ato de comunicação.
Para que se
desenvolva a competência linguística do aluno,
principalmente no ensino fundamental, se faz
necessário levar em consideração diversos fatores relacionados à sociedade em que o mesmo está inserido. Como regula os
PCNs:
É fundamental
que a escola assuma a valorização da cultura de seu próprio grupo e, ao mesmo
tempo, busque ultrapassar seus limites, propiciando às crianças e aos jovens
pertencentes aos diferentes grupos sociais o acesso ao saber, tanto no que diz
respeito aos conhecimentos socialmente relevantes da cultura brasileira no
âmbito nacional e regional como no que faz parte do patrimônio universal da
humanidade.
É igualmente
importante que ela favoreça a produção e a utilização das múltiplas linguagens,
das expressões e dos conhecimentos históricos [...]. (BRASIL, 1998, p. 44)
Mesmo
estando orientada pelo PCN do ensino fundamental, as escolas tendem a usar uma
metodologia de ensino da língua padrão, que desconsidera a diversidade
linguística e sua importância nas relações interpessoais. Não que a língua
padrão não seja importante para o aluno, mas que a língua não padrão também
seja levada em consideração, principalmente na interação oral. Portanto, devido
a esta padronização da língua imposta pela escola ao aluno, é gerado um
preconceito desnecessário.
Muito já se
estudou acerca da homogeneidade da língua portuguesa no Brasil, porém esses
estudos só tem prejudicado a educação brasileiro quanto ao ensino da língua
materna, como afirma Bagno, (1999):
Existe também toda uma
longa tradição de estudos filológicos e gramaticais que se baseou, durante
muito tempo, nesse (pre)conceito irreal da “unidade linguística do Brasil”.
Esse mito é muito prejudicial à educação, porque, ao não reconhecer a
verdadeira diversidade do português falado no Brasil, a escola tenta impor sua
norma linguística como se ela fosse, de fato, a língua comum a todos os 160
milhões de brasileiros, independentemente de sua idade, de sua origem
geográfica, de sua situação socioeconômica, de seu grau de escolarização etc. (Bagno, 1999, p. 15).
Influenciados
por uma escola totalmente preconceituosa que se acha capaz de definir e
padronizar o uso da língua, os alunos vão sendo divididos em grupos
linguísticos, e essa divisão se dá da seguinte forma: os alunos que geralmente
fazem parte de um grupo que tem uma melhor aquisição financeira ou estão
geograficamente próximos de grandes centros são classificados como alunos
falantes do português padrão, já os que fazem parte de um grupo de menor
aquisição financeira e estão distante de grandes centros são os alunos falantes
do português não padrão.
Devido à
diversidade linguística no Brasil é necessário que as instituições culturais e
educacionais se adaptem a essas diversidades da língua portuguesa brasileira.
É preciso, portanto,
que a escola e todas as demais instituições voltadas para a educação e a
cultura abandonem esse mito da “unidade” do português no Brasil e passem a
reconhecer a verdadeira diversidade linguística de nosso país para melhor planejarem suas políticas de ação junto a população amplamente
marginalizada dos falantes das variedades não-padrão. O reconhecimento da
existência de muitas normas linguísticas diferentes é fundamental para que o
ensino em nossas escolas seja consequente com o fato comprovado de que a norma
linguística ensinada em sala de aula e, em muitas situações, uma verdadeira
“língua estrangeira” para o aluno que chega a escola proveniente de ambientes
sociais onde a norma linguística empregada no quotidiano e uma variedade de
português não-padrão. (Bagno
1999, p.18).
No ensino da língua materna em suas interações
orais, faz-se necessário levar em consideração todos os aspectos a que o
falante esteja exposto, além de vários outros fatores relevantes, sendo assim,
é preciso adaptar as escolas para que ensinem verdadeiramente a língua e suas
diferentes possibilidades de uso no quotidiano.
PRocedimentos
Metodológicos
Os objetivos deste trabalho foram atendidos
através da utilização de uma pesquisa de caráter exploratório, a qual, segundo
Gil (2002. p.41), é um “[...] tipo de pesquisa [que] facilita o entendimentos
de diversas possibilidades dos aspectos estudados”. Assim, além de constatar a
variedade linguística existente na escola João Alves Torres, ainda proporcionou
constatar o preconceito linguístico sofrido pelos discentes e os aspectos
relevantes a este tipo de preconceito.
O delineamento da pesquisa classificou-se como
estudo de campo e se realizou através da análise quantitativa, escolhida para
coleta de dados durante as observações dos diversos usos da língua.
Para obtenção dos dados, foram realizadas
aplicação de um questionário, com alunos, referentes ao uso correto da língua
em suas interações orais no dia a dia. O questionário era composto de perguntas
objetivas e subjetivas, que versavam sobre as diversas formas linguísticas
utilizadas pelos os alunos na interação oral. Os mesmos também continham
perguntas subjetivas e objetivas referentes aos preconceitos linguísticos
sofridos pelos alunos na escola, devido a forma de interagir oralmente com seus
colegas e professores.
A pesquisa foi realizada na Escola João Alves
Torres (JAT), localizada na Avenida Coronel Pedro Targino, S/N centro,
Araruna-PB, a qual possui cerca de 1046 alunos, segundo censo escolar de 2012,
divididos em três turnos. O corpo pessoal é composto por 65 professores,
nomeados por concurso público, e 38 funcionários.
A escola é referência, no município, entre as
escolas públicas, pois, devido ao seu tamanho e estrutura, recebe alunos de
diversas comunidades da zona rural e todos os alunos da zona urbana, tendo em
vista ser a única escola pública municipal na área urbana, com ensino
fundamental II do 6° ano ao 9° ano.
Devido à existência de alunos da zona urbana e
da zona rural, a escola torna-se um campo muito rico para tratar de questões
sociolinguísticas, pois, nos atos de comunicação entre os falantes de zonas
diferentes, podem ser observados diversos fatores que implicam nas diferenças
socioeconômicas e consequentemente linguísticas dos interlocutores.
A amostra da pesquisa foi composta por 18
(dezoito) participantes, todos eram alunos do 6° ano, do ensino fundamental II,
divididos em: oito do sexo masculino e doze do sexo feminino, com idades entre
09 e 13 anos, todos do turno da tarde.
De posse dos dados das entrevistas e dos
questionários, foi feita uma análise quantitativa e qualitativa dos dados,
cujos resultados serão apresentados a seguir.
APRESENTAÇÃO E Análise dos dados
A escola de Ensino Fundamental João Alves Torres,
possui um grande número de alunos da zona rural e da zona urbana, alunos de
realidades sociais totalmente diferentes e, consequentemente, detentores de
variedades linguísticas distintas. Estes aspectos geram divisão entre os
próprios alunos e, devido aos diferentes usos da língua, surgem preconceitos
entre os alunos, com uma parcela de contribuição dos professores que insistem
em padronizar a forma dos mesmos falarem.
A escola João Alves Torres traz várias
características que influenciam nos preconceitos linguísticos, desde os
aspectos socioeconômicos, aos aspectos geográficos. Assim, nesta escola, foram
observadas diversas variações linguísticas como:
a)
Variação diatópica (diferença entre as
regiões): a linguagem dos alunos provenientes da zona urbana é diferente dos
advindos da zona rural, por exemplo, os alunos da zona urbana utilizam diversas
gírias como: fala boy, eeei boyzinha, meu
irmãaaooo, ta ligado?? Já os alunos da zona rural falam sem uso de gírias,
porém utilizam de uma linguagem totalmente informal, como: eii minino, essa minina sabe visse, ei bixim, tu sabe visse, vixeee
Maria, ele já tinha abrido.
b)
Variações diastráticas (referente aos grupos
sociais): é comum ver na escola, durante os intervalos, alunos divididos por
grupos, divisão esta devida a diversos aspectos e um deles é o financeiro. Os
alunos dizem que preferem interagir com aqueles que pertencem à mesma classe
social ou que, pelo menos, sejam de classes próximas, pois acreditam que o
diálogo não flui com indivíduos de classes diferentes. Para os alunos, a classe
com maior aquisição financeira vive uma realidade completamente diferente das
classes consideradas inferiores, e assim, têm formas diferenciadas quanto ao
uso linguístico em sociedade.
c)
Variação diafásica (comunicação na forma
geral): dependendo do conhecimento linguístico pré-estabelecidos cognitivamente
em cada aluno, haverá diferenças. Assim, os alunos que têm mais contatos com o
meio virtual através da internet, ou que já viajaram por algum tempo para
outras regiões, utilizam linguagens diferenciadas e, muitas vezes, mais ricas
em seus vocábulos, pois tiveram a oportunidade de conviver em ambientes
diferentes, assim, ampliando seus conhecimentos linguísticos.
Analisando os resultados dos questionários
aplicados com os alunos do 6° ano F da Escola Municipal de Ensino Fundamental
João Alves Torres, turno tarde, observou-se que existe um preconceito
linguístico entre os próprios alunos, isto devido suas diferenças sociais,
culturais e geográficas, e que seus educadores, principalmente de língua
portuguesa, priorizam a língua padrão como a única forma correta de interagir
nas relações interpessoais, mesmo as de cunho oral.
O questionário foi composto por dez perguntas,
cada pergunta tinha cinco alternativas. O questionário foi aplicado com 18
alunos, sendo 08 (44,5%) vindos da zona urbana e 10 (55,5%) da zona rural como
pode ser observado no gráfico 1.
Gráfico 1 – Alunos da zona urbana e rural que estudam na Escola João
Alves Torres
Quando os alunos foram questionados sobre que
avaliação faz de si próprio em relação ao conhecimento da língua portuguesa na
interação oral, 27,7% responderam que se considera bom, 22,3% falaram que são
péssimos, 33,3% responderam que se considera muito ruim, apenas 5,5% disseram
que são excelente e 11,2% falaram que são muito bom, conforme demonstrado no
Gráfico 2.
Gráfico 2 - Avaliação do aluno em relação ao
conhecimento da língua portuguesa
O Gráfico 3 mostra que, na pergunta que
questionava sobre como eles entendem como os colegas falam, 22,2% disseram
costumam compreender facilmente o que colega fala, outros 22,3% responderam que
conseguem entender apenas algumas coisas, outros 22,3% falaram que tem dificuldades
em entender o colega. Enquanto 16,7% disseram que entendem tudo, pois sabe
falar muito bem e outros 16,7% falaram que só entendem aqueles que moram na
mesma rua ou sítio.
Gráfico 3
- Entendimento sobre o que os alunos falam entre eles.
Quando foram questionados se os professores
fazem correções quanto à forma de falar, os resultados do Gráfico 4 mostram que
16,7% disseram que fazem sempre, 44,4% afirmaram que a correção acontece às
vezes, 27,7% responderam nunca são corrigidos, 5,5% disseram que a correção só
acontece quando estão conversando com os colegas no intervalo e outros 5,5%
falaram que quase nunca acontece.
Gráfico 4
- Correção dos professores quanto à forma dos alunos falarem
Os alunos também foram questionados para saber
como se sentem quando alguém faz uma correção de algo que falaram. O Gráfico 5
aponta que 27,7% afirmaram que se sentem péssimo quando isso acontece, outros
27,7% disseram que não se importam para estas coisas, apenas 11,2% falaram que
gostam quando alguém faz isto, 16,7% salientaram que ficam furioso e outros
16,7% afirmaram que riem de si mesmo quando alguém faz correção sobre algo que
falaram.
Gráfico 5
- Reação dos alunos quando alguém faz uma correção sobre algo que eles falam
O Gráfico 6 apresenta as respostas para a
pergunta que buscava saber sobre que frequência o aluno costumava falar alguma
palavra que alguém não conhece ou não entende, 27,7% responderam que sempre tem
alguém que não entende o que fala, 16,7% falaram que isso nunca acontece, 38,8%
disseram que só acontece de vez em quando, apenas 5,5% afirmaram que acontece
apenas quando fala com pessoas de outras regiões do país e 11,2% destacaram que
isso ocorre quando falam com pessoas idosas.
Gráfico 6
- Frequência sobre uso de palavras que os alunos fazem e outros não entendem
O Gráfico 7 mostra que, quando os docentes
foram questionados se têm dificuldades em falar com alguém que mora na zona
urbana ou na zona rural, 27,8% afirmaram que têm às vezes, 5,5% responderam que
sempre têm dificuldade, outros 5,5% falaram que atualmente não, mas já teve,
38,9% disseram que nunca tiveram e 22,3% responderam que não tinham, mas agora
têm.
Gráfico 7 - Dificuldade de falar com pessoas
que moram na zona urbana ou zona rural
Os alunos também foram questionados para saber se
já sofreram algum tipo de bullying
por ter falado algo consideram errado por alguém. O Gráfico 8 apresenta os
resultados: 27,7% responderam que sempre sofre discriminação pelo que fala,
22,2% disse que alguns riem por causo daquilo que falam, enquanto 27,7% falaram
que isso nunca acontece, apenas 11,2% enfatizaram que as vezes sofre por não
saber falar as coisas, outros 11,2% afirmara que domina muito bem a língua
padrão.
Gráfico
8 – Bullying por falar algo
considerado errado
Na pergunta para saber se os alunos conhece
alguém que não fala por medo de errar, o Gráfico 9 demonstra que: 33,3%
responderam que conhece, se referindo a si próprio, 22,2% falaram que não
conhece, 16,6% afirmaram que conhecem muitas pessoas, outros 16,6% se referiram
ao amigo e apenas 11,3% destacaram que conhecem poucas pessoas que não falam
por este motivo.
Gráfico
9 – Conhece alguém que não fala por medo de errar
Nos questionários respondidos pelos os alunos,
foi observado outro aspecto importante que gera o preconceito linguístico: a
questão das formas diferenciadas que os alunos têm de falar as mesmas coisas
como, por exemplo, alguns alunos chamam a esfera de vidro de “bola de gude”,
outros chamam de “biloca” e outros de “bola de vidro”. Tem alunos que chamam o
biscoito recheado de “bolacha recheada”. É importante ainda ressaltar a questão
das pronúncias diferentes como: “poirta” para porta, “biciqueta” para bicicleta,
além do uso excessivo do pronome “tu” pelos falantes da zona rural e do uso
excessivo de gírias pelos falantes da zona urbana.
Os resultados também permitiram constatar certo
despreparo do corpo docente em seguir o que dizem os PCNs quanto ao ensino da
língua materna:
No ensino-aprendizagem
de diferentes padrões de fala e escrita, o que se almeja não é levar os alunos
a falar certo, mas permitir-lhes a escolha da forma de fala a utilizar,
considerando as características e condições do contexto de produção, ou seja, é
saber adequar os recursos expressivos, a variedade de língua e o estilo às
diferentes situações comunicativas: saber coordenar satisfatoriamente o que
fala ou escreve e como fazê-lo; saber que modo de expressão é pertinente em
função de sua intenção enunciativa, dado o contexto e os interlocutores a quem
o texto se dirige. A questão não é de erro, mas de adequação às circunstâncias
de uso, de utilização adequada da linguagem. (PCN, 1998, p. 31).
Assim, percebemos que, conforme a previsão dos PCNs
de que a escola deve aceitar a realidade linguística de seus usuários, os
alunos do 6º ano “F” da Escola Municipal de Ensino Fundamental João Alves
Torres consideram que sua forma de falar é sim aceita pelos professores. A
imposição da forma padrão, portanto, caso ocorra, não é percebida pelos
discentes.
Considerando que a língua é reflexo da sociedade
que a utiliza, a Sociolinguística defende que não devem haver divisões,
tachando o que é certo ou errado, mas uma preconização quanto à diversidade linguística
e seus fatores relevantes. Desse modo,
os professores devem destacar a importância do uso da língua padrão, ensinando
como e quando usá-la, e não a defender como única forma correta de
comunicar-se, menosprezando as demais formas linguísticas, uma vez que isso só
leva à propagação do preconceito entre os alunos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A variedade linguística é uma realidade que está dentro da escola
brasileira, porém a mesma ainda não está preparada para relacionar as
diferenças linguísticas e utilizá-las como facilitadora da aprendizagem e da
interação interpessoal entre alunos, professores e funcionários.
Neste trabalho foram abordados as variedades da
língua portuguesa e o preconceito linguístico, gerados devidos estas diferenças
linguísticas, destacando os motivos pelos quais este ocorre e as formas que o
mesmo se apresenta em uma turma da escola Municipal João Alves Torres.
Através de uma pesquisa de campo, que utilizou
como método de investigação a observação e a aplicação de questionários,
constatou-se que os alunos da zona rural utilizam termos diferentes dos alunos
da zona urbana, classificando-se com estes aspectos a ocorrência das variações
linguísticas diatópicas. Foi constatado também que entre esses alunos ocorre a
variação linguística diastrática, devido as diferenças socioeconômicas.
Diante desses resultados, verificamos que, na
turma investigada, embora os professores aceitem as particularidades
linguísticas dos alunos, o preconceito linguístico está presente entre os
pares. Isto é, entre alunos, principalmente da zona urbana e alunos da zona
rural, é possível identificar o preconceito linguístico, gerado, sobretudo,
pelas diferenças geográficas e socioeconômicas.
Embora não tenhamos exaurido o assunto,
reconhecemos que este trabalho foi muito importante para os graduandos em
Letras Língua Portuguesa, tendo em vista que ampliou os conhecimentos quanto ao
preconceito linguístico e às variações da língua portuguesa. Também permitiu
que esses futuros professores conhecessem melhor os motivos e aspectos
caracterizadores do preconceito linguístico e ainda ajudou a desenvolver as
competências de investigação, de seleção, de organização e de comunicação da
informação quanto o preconceito linguístico existente na escola João Alves
Torres.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz. 48 ed., São Paulo: Edições Loyola, 1999.
BAGNO, Marcos. Preconceito Linguístico: o que é, como se faz. 49 ed., São Paulo: Edições Loyola, 1999.
BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna: a
sociolinguística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004. p.
37-49.
BRASIL. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Brasília: MEC/SEF, 1998. 174p.
CÂMARA JR. J. Mattoso. Dicionário de Linguística e Gramática:
referente à língua Portuguesa. Petrópolis: Vozes, 1981.
LABOV, W. Padrões
Sociolinguísticos. São Paulo: Parábola, 2008.
LYONS, John. Introdução
à linguística teórica. São Paulo: Nacional/EdUSP, 1979.
MOLLICA, Maria Cecília. BRAGA, Maria Luiza. Introdução à
sociolinguística: o tratamento da
variação. 2ª ed., São Paulo: Contexto, 2004.
NEVES, Rita de Araújo, DAMIANI, Magda
Floriana. Vygotsky e as teorias da aprendizagem.
Vol. 1, n° 2, UNIrevista: abril, 2006.
POSSENTI, Sírio. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas:
Mercado de Letras, 1997.
"palatalização", in Dicionário
Priberam da Língua Portuguesa, 2008-2013,
http://www.priberam.pt/dlpo/palatalização
[consultado em 24-10-2013].
SANTOS, Janete S. dos. Letramento, variação lingüística e ensino de
português. In: Revista Linguagem em
(Dis)curso. Centro de Pós-Graduação de Tubarão/SC, 2004.
TARALLO, Fernando. A
pesquisa sociolingüística. 7 ed., São Paulo: Ática, 2005.